quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Torquato Neto


"Um poeta não se faz com versos"

por Rodrigo de Andrade

Como Buda, Confúcio, Sócrates ou
Jesus, Torquato não deixou livros.
Paulo Leminski

O caso de Torquato Neto, hoje, é típico de autor mais citado que realmente lido. Artista multimídia, durante a segunda metade da década de 1960 e os primeiros anos da de 1970, envolveu-se com poesia, jornalismo, televisão, cinema e música. Figura-chave na eclosão da tropicália (e isso lhe teria garantido lugar de destaque na história da vanguarda artística brasileira), conquistou grande reputação entre o meio artístico-cultural como uma voz maldita, rebelde, marginal. Praticou suicídio na madrugada seguinte ao seu aniversário de 28 anos, no dia 10 de novembro de 1972. O feito ajudou a envolvê-lo numa aura romântica: o poeta que não temia a morte.
Aos 9 anos de idade, escrevera seu primeiro poema:
O meu nome é Torquato
O de meu pai é Heli
O da minha mãe Salomé
O resto ainda vem por aí

E, desde então, não parou mais. No segundo domingo de maio, presenteava a mãe com versos compostos com métrica e rima. Era muito interessado em literatura e línguas em geral e adorava redação, matéria obrigatória naqueles tempos de português quase vernáculo. Quando adulto, costumava dizer que sua matéria preferida na escola era aquela que o obrigava a escrever. Aos 11 anos, pediu ao pai, como prêmio pelo sucesso no exame de admissão ao ginásio, uma coleção das obras completas de Shakespeare, “especialmente com a peça Rei Lear”. Dona Salomé, surpresa, sugeriu que ele escolhesse um autor “mais fácil”, um título apropriado para a sua idade. O assunto foi encerrado quando ele argumentou: “Basta ler com atenção que a gente entende tudo”.


 O ano de 1959 seria marcante na vida de Torquato. Na época, lia muito Sommerset Maughan e Edgar Alan Poe, também havia devorado a obra E a Bíblia tinha razão, de Werner Keller. Em poesia, começava a renegar os românticos e passara a se dedicar aos simbolistas e modernistas. Concluiu o ginasial e optou por cursar o científico em Salvador, seguindo, em certo sentido, os passos do tio Mário Faustino e H. Dobal.

Apesar de ter deixado uma vasta produção em diversas áreas (cinema, jornais, letras de música, etc), em vida, não chegou a ter um único livro publicado. Postumamente, em 1973, a ex-esposa, Ana Maria Duarte, e o amigo Waly Salomão organizaram Os últimos dias de paupéria. A obra contem poemas, páginas de diário, colunas em jornais, conta com prefácio de Augusto de Campos e vinha com um compacto encartado. Com 116 páginas, os 5 mil exemplares se esgotaram rapidamente. Quase dez anos depois, em 1982, uma segunda e última edição da obra foi lançada. Revista e ampliada, então com quase 400 páginas, apresentava textos de Décio Pignatari, Luís Otávio Pimentel e Hélio Oiticica, além de uma entrevista com o autor feita por Régis Bonvicino. Novamente, o livro se esgotou de maneira rápida.

Com certa freqüência, seus poemas foram musicados por artistas do rock e da MPB, e escritos de sua autoria (alguns inéditos) foram incluídos em antologias poéticas no Brasil e exterior. Apenas em 2004, Torquatália é lançado (capas ao lado). Trata-se de dois volumes, ao estilo “obras completas”, com uma quantidade ainda maior de material inédito, incluindo-se aí todas as suas colunas em jornais (que o revelam como um precursor do estilo gonzo em nosso país). Organizados por Paulo Roberto Pires, os livros oferecem material em profusão, melhor ordenado e com novos dados fatuais preciosos. O resgate da produção do piauiense merece atenção, tanto pelo seu valor intrínseco, resultante de uma aguçada sensibilidade poética, quanto pelo vulto histórico, notável e marcante, do seu autor. Mesmo morto, a voz e as idéias de Torquato continuam a ecoar.


Confira abaixo uma biografia do artista que desenvolveu um modo marcante de ligar a poesia — em qualquer que seja a forma que ele escolha para se manifestar artisticamente — ao seu próprio fio vivencial.
Na medida do impossível:

ascensão e queda de um poeta maldito

Caricatura: João de Deus Netto, conterrâneo do poeta Torquato Neto. 



3 comentários:

Luiz Filho de Oliveira disse...

Netto, além de seu excelente trabalho gráfico, vc faz um bem danado à literatura piauiense com esse trabalho de divulgação de nossos autores. Como um campo-maiorense, fico muito grato por isso. Qdo tiver um tempo, visite meu blog. Até mais páginas.

Nettocampomaior disse...

Farei isso, Luiz. Obrigado pela distinção, conterrâneo!

Paulo José Cunha disse...

Torquato deixou livros, sim. Um deles se cham,a "O Fato e a Coisa". O outro, mais conhecido, "Os Últimos Dias de Paupéria" é uma coletânea feita pelo Wally. "O Fato e a Coisa", sob o pseudônimo de Adriano Jorge, eu conheci quando ele ainda estava vivo. Me mostrou na casa dele, onde eu passava longas temporadas. Nunca publicou em vida. Vai sair agora, numa edição que estamos preparando, eu e George Mendes.

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